Agência do governo mantém 3500 requerimentos ilegais de mineração, mostra novo painel interativo do InfoAmazonia

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Infoamazonia
Fábio Bispo
22 de fevereiro de 2022
Amazônia Brasileira

 

Lançada hoje em parceria com Amazon Watch e Apib, nova plataforma do Amazônia Minada permite navegar, filtrar e baixar processos minerários em áreas protegidas da Amazônia.

Três mil quinhentos e noventa e cinco requerimentos minerários tramitam na Agência Nacional de Mineração (ANM) para exploração em terras indígenas e unidades de conservação de proteção integral na Amazônia brasileira. E mesmo que a legislação não autorize a atividade mineral nessas áreas, o governo brasileiro segue permitindo a tramitação destes processos de mineração, contrariando os interesses dos povos que ocupam suas terras indígenas e os próprios limites da preservação ambiental.
Desde 2019, o projeto Amazônia Minada, do InfoAmazonia, analisa de forma sistemática os dados da ANM e divulga as informações através de um mapa interativo, com nome das mineradoras, localização do projeto e a situação da área protegida. Essas informações serviram como base para diversas reportagens, estudos e para informar as comunidades locais sobre a mineração em terras de proteção integral na Amazônia.
Agora, estes dados também poderão ser consultados publicamente com filtros através do painel interativo do Amazônia Minada, que permite consultas em tempo real sobre esses requerimentos por empresas e territórios, entre outras informações da base de dados. O projeto é lançado junto com a quarta edição do relatório Cumplicidade na Destruição, da organização Amazon Watch e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que faz uma análise do setor minerário na Amazônia brasileira.

Os dados do Amazônia Minada são coletados diariamente na base da ANM e cruzados com os limites de terras indígenas e unidades de conservação de proteção integral da Amazônia Legal (dados da Funai e Ministério do Meio Ambiente), identificando quais requerimentos estão sobrepostos (total ou parcialmente) ou tocam qualquer parte dessas áreas protegidas.
São considerados todos os requerimentos que seguem ativos no sistema da ANM, independente da fase de tramitação – mesmo que uma empresa tenha pedido desistência de uma solicitação ou indeferimento, se ela consta como válida no sistema da agência é incluída na base de dados do Minada. A agência considera os requerimentos como válidos até que eles realmente saiam do seu sistema, pois ainda há chance do “recurso ser provido”, como nos explicou a ANM via Lei de Acesso à Informação.

O que buscamos foi o equilíbrio entre uma base bastante complexa com uma plataforma que possa mostrar esses dados de forma completa, capaz de se comunicar com um público bem mais amplo.
Stefano Wrobleski, diretor do InfoAmazonia

“O que buscamos foi o equilíbrio entre uma base bastante complexa com uma plataforma que possa mostrar esses dados de forma completa, capaz de se comunicar com um público bem mais amplo”, explica Stefano Wrobleski, diretor do InfoAmazonia e coordenador da plataforma. O painel interativo do Amazônia Minada foi desenvolvido pela empresa de tecnologia Geodatin. Além da análise de informações em tempo real, o usuário também pode fazer o download de dados filtrados e compartilhar análises através de links e embeds dos mapas com as seleções dos usuários. Os dados são abertos e estão disponíveis para uso de pesquisadores, jornalistas e organizações, entre outros.

Transparência

O Brasil possui mais de 2,2 milhões de km² de áreas protegidas, cerca de 12,4% do total de regiões protegidas do mundo, segundo dados do site Protected Planet, e boa parte desse patrimônio global está na Amazônia Legal.
Com base nos dados do Amazônia Minada, em novembro de 2020, o InfoAmazonia revelou que o governo brasileiro autorizou 58 requerimentos para mineração em terras indígenas. Entre as empresas com pedidos aprovados estava a Anglo American e seu projeto para exploração de cobre nas terras do povo Munduruku.
O caso desencadeou uma campanha e, em julho de 2021, a Anglo se comprometeu formalmente em retirar da ANM 27 requerimentos aprovados para a pesquisa de cobre em territórios indígenas.
O projeto rendeu dezenas de reportagens e citações em relatórios de organizações nacionais e internacionais. Entre diversas pautas, os dados levantados  já denunciaram  a disseminação de malária em terras indígenas, a pressão política em Brasília para liberação de garimpo nesses territórios e revelou que a própria Aeronáutica explorou uma mina ilegal para obras do aeroporto na cidade de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.
Idealizado pelo jornalista Hyury Potter, com colaboração de Juliana Mori, diretora e editora do InfoAmazonia, ainda em 2019, o Amazônia Minada revelou a intenção de grandes mineradoras, offshores e políticos em áreas protegidas da Amazônia. Dados do projeto também serviram como base para publicações do jornal inglês The Guardian e da alemã Deutsch Welle, além de referências na imprensa brasileira.
“Nós começamos o projeto em 2019 analisando os requerimentos com impactos diretos nas unidades de conservação de proteção integral, com apoio do ICFJ (International Center For Journalists), onde não é permitido nenhum tipo de mineração. Depois, estendemos essa mesma análise para as terras indígenas já com apoio do Pulitzer Center e do Amazon Rainforest Journalism Fund”, conta Hyury Potter.
Em 2020, o projeto chegou entre os finalistas  na categoria inovação do Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

Base do principal relatório sobre mineração

As análises do Amazônia Minada também formam a base do relatório Cumplicidade na Destruição, da Amazon Watch e Apib. O documento resgata a trajetória da mineração de larga escala no Brasil, em especial seu histórico de avanço sobre os povos indígenas, e relaciona 225 requerimentos minerários ativos com sobreposição em 34 terras indígenas de nove mineradoras, pertencentes a oito grandes grupos. Esses dados foram cruzados com investimentos em ações e financiamentos de bancos nacionais e internacionais.
Além da plataforma Amazônia Minada, a quarta edição do relatório traz depoimentos em texto e vídeos (disponíveis online) de povos indígenas impactados por essas mineradoras. A publicação faz recomendações urgentes aos principais atores nesse processo, como as próprias mineradoras, as instituições financeiras, o governo brasileiro e a comunidade internacional.
Acessa a plataforma em: minada.infoamazonia.org

Texto original disponível em: https://infoamazonia.org/2022/02/22/agencia-do-governo-mantem-3500-requerimentos-ilegais-de-mineracao-mostra-novo-painel-interativo-do-infoamazonia/