Carlos Madeiro
Colaboração para o UOL, em Maceió
12 de outubro de 2021
Entregue à ONU (Organização das Nações Unidas) no mês passado, o Relatório de Referência sobre a Amazônia traz uma das mais profundas e abrangentes avaliações científicas da situação atual do bioma. O documento foi produzido por mais de 200 cientistas, que alertam para os riscos da destruição da floresta e fazem uma série de recomendações para frear esse processo.
Eles ressaltam que a Amazônia não é apenas patrimônio dos países onde está a floresta, mas de todo o planeta, que depende dela. Estima-se que somente entre 1995 e 2017 foram mais de 360 mil km² de floresta na Amazônia degradados —o que equivale a uma área um pouco maior do que a soma dos territórios dos estados do Rio e São Paulo.
Os cientistas alertam que atualmente a Amazônia aquece um pouco mais rápido do que a média do planeta: 1,2°C, contra 1,1°C da média global. «Isso é comum pela própria dinâmica do aquecimento global: a média inclui continente e oceanos, mas os continentes estão aquecendo mais rápido», explica o climatologista José Marengo, um dos líderes do relatório.
«O aquecimento global é um processo natural. Mas, nos últimos 20, 30 anos, as atividades humanas elevaram o efeito estufa. Somada às queimadas de combustíveis fósseis, a agropecuária também tem contribuído mais. Isso eleva a preocupação de que, se nada for feito, no futuro o aquecimento possa ultrapassar os 2°C. Acima desse valor os impactos seriam maiores em todo o mundo.»
(José Marengo, climatologista)
Para os cientistas, a estratégia para apoiar uma Amazônia viva é baseada em três pilares:
- Medidas para conservar, restaurar e remediar sistemas terrestres e aquáticos;
- Desenvolvimento de políticas de bioeconomia inovadoras e institucionais, com estruturas para o bem-estar humano-ambiental;
- Fortalecimento da cidadania e da governança amazônica, que inclui a implementação de sistemas de governança biorregional e diplomacia ambiental.
Vejamos 10 alertas e soluções propostos pelo documento:
Mudar a concepção
O estudo cita que há uma distorção de que as florestas em pé não produzem desenvolvimento socioeconômico.
Estas narrativas dominantes ignoram as visões alternativas e práticas históricas dos indígenas e comunidades tradicionais, bem como seus meios de subsistência, que dependem da sustentação de diversos sistemas e recursos naturais. Propomos um modelo de desenvolvimento que seja inclusivo, justo e social, ambiental e economicamente saudável. Isso requer o estabelecimento de um conjunto de soluções viáveis apoiadas por governos, sociedade civil e partes interessadas do setor privado.»
Monitoramento em tempo real
Para os pesquisadores, os impactos e a duração dos efeitos de degradação implicam que os esforços de conservação devem primeiro se concentrar em evitar novos danos.
A conservação da Amazônia requer monitoramento quase em tempo real da perda e degradação florestal, combinado com ações eficazes de fiscalização no local em escala regional e com a participação de todos os países amazônicos, e a maior expansão e proteção genuína de áreas de proteção, incluindo políticas que fazem o uso sustentável dos recursos. A transparência em torno dos dados de monitoramento apoia uma governança eficiente e evita o desmatamento. O sucesso das intervenções destinadas a prevenir o desmatamento e a degradação requer melhor governança e redução da corrupção em todas as escalas.»
Mais biodiversidade
Uma das estratégias citadas é fazer com que a cultura de biodiversidade e conservação florestal sejam uma prioridade para a manutenção da floresta.
Os mecanismos incluem a aplicação da regra dentro e fora das áreas de proteção e sistemas agroecológicos sustentáveis em cadeias de abastecimento sustentáveis, incentivos à recuperação de áreas degradadas, melhoria da gestão e instituições financeiras, sociedade civil e engajamento de movimentos sociais, e novas formas de governança ambiental e de recursos.»
Nova cultura urbana
Para os cientistas, não pode haver um vínculo mais forte entre as áreas rurais e urbanizadas na produção de alimentos sem um novo planejamento urbano e cultural na Amazônia.
O diálogo intercultural entre o saber indígena e o saber científico representa uma oportunidade de integrar práticas de gestão cultural em práticas nacionais ou regionais recursos naturais, como planos de gestão de bacias hidrográficas. Alternativamente, é preciso promover o turismo e o esporte na floresta, e isso fica mais fácil quando há maior acesso à saúde no meio rural.»
Parar o desmatamento e a degradação florestal em menos de uma década é um desafio alcançável. Para isso, eles sugerem a restauração e a reabilitação de florestas degradadas e terras agrícolas desmatadas ou abandonadas.
Essa estratégia pode fornecer oportunidades aos formuladores de políticas para promover muitas oportunidades econômicas diretas e indiretas e benefícios socioambientais à população local e à sociedade, com longo prazo compromissos internacionais. Além disso, as áreas com infraestrutura existente fornecem oportunidades para repensar as paisagens amazônicas incorporando conhecimento e práticas dos povos e comunidades locais.»
Avaliar formas para recuperação
A degradação ambiental na Amazônia inclui danos em vários aspectos e formas, que devem ser analisados para melhor solução.
As opções de restauração dependem das causas da degradação e desmatamento, a magnitude do impacto e do contexto socioeconômico. Opções de restauração específicas do local em terrestre ecossistemas incluem acelerar a recuperação após a mineração, reflorestando as vastas áreas desmatadas terra, facilitando a recuperação de florestas primárias degradadas e restaurando atividades em terras desmatadas.»
Foco em regiões vulneráveis
Um dos focos pedidos é que as regiões mais desmatadas da Amazônia devam ser prioritárias para restauração, já que elas estão justamente em fronteiras de desmatamento mais antigas e que incluem municípios com menor IDH (índice de desenvolvimento humano).
Isso pode transformar terras improdutivas em agrícolas produtivas e sustentáveis ou sistemas agroflorestais, que podem render muitos benefícios econômicos e sociais diretos. Os efeitos indiretos também podem ser importantes para as economias locais. Além disso, essas paisagens em mudança podem promover o surgimento de novas oportunidades para aumentar e diversificar as cadeias de abastecimento.»
Mais acesso à tecnologia
Melhorar as condições de vida na Amazônia e fortalecer os mercados da sociobiodiversidade são apontados como fundamentais para a preservação da Amazônia, mas ainda são considerados insuficientes.
Para que a humanidade desfrute do potencial de um dos sistemas florestais mais biodiverso, é fundamental reduzir a lacuna que hoje separa a Amazônia da inovação científica e tecnológica. Essa ambição pressupõe a ampliação dos investimentos em ciência e tecnologia na região, especialmente pelo poder público de cada país.»
Bioeconomia
O surgimento de uma nova bioeconomia de florestas e rios saudáveis na Amazônia deve ser apoiado por políticas baseadas no conhecimento da sociobiodiversidade.
Por exemplo, inovação em produtos farmacológicos, medicamentos, vacinas, sequenciamento do genoma, alimentos funcionais e mineração por meio de biolixiviação [utilização de microrganismos para a extração de metais] e organismos vivos podem integrar a bioeconomia.»
Proteção a biomas vizinhos
Para fechar, o relatório aponta que é crucial acomodar e harmonizar as políticas transnacionais para proteger biomas vizinhos.
É necessário implementação de acordos institucionais que transcendam os ciclos políticos para garantir a continuidade, pois é também o caso na abordagem da mudança climática. Entre 2013 e 2015, aproximadamente US$ 1,07 bilhão foi investido na proteção ambiental regional, principalmente por entidades bilaterais ou instituições multilaterais. No entanto, investimentos em infraestrutura e projetos de energia que impulsionam o desmatamento foram muito mais significativos.»