G1
Ayrton Senna Gazel, g1 AM
11 de janeiro de 2021
Amazônia brasileira
Manutenção da atual política ambiental do país, especulação em torno da pavimentação da BR-319 e eleições explicam o cenário de falta de proteção da floresta.
Após registrar recordes históricos nos últimos dois anos, o Amazonas deverá ter ainda mais focos de queimadas em 2022, segundo ambientalistas ouvidos pelo g1.
Questões relacionadas à pavimentação da BR-319, ano eleitoral e a manutenção da atual política ambiental do país explicam o cenário pessimista para a proteção da floresta.
Em 2021, o Amazonas registrou um total de 14.848 focos de incêndio, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Esse é o terceiro pior número de queimadas da série histórica, iniciada em 1998.
Em 2020, o estado teve o maior número de queimadas da história: foram 16.729 focos de incêndio. O número superou o recorde anterior, de 2005, que agora figura como o segundo ano com os piores registros: foram 15.664 focos de queimadas.
A Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) informou ao g1 que a a Operação Tamoiotatá 2 tem previsão para iniciar ainda no primeiro trimestre de 2022, para prevenir as queimadas, que costumam aumentar a partir do segundo semestre (veja mais detalhes abaixo).
Os meses de agosto, setembro e outubro são, geralmente, os mais secos do ano na Amazônia e também formam o período em que ocorrem os maiores índices de queimadas e desmatamento.
Ambientalistas ouvidos pelo g1 respondem:
Qual o cenário previsto para 2022?
Rômulo Batista, porta-voz da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil, acredita na manutenção da atual política ambiental do Ministério do Meio Ambiente, e por conta disso, prevê um cenário parecido, ou até pior, do que o registrado nos últimos anos.
“Temos visto, desde o início do atual governo, o desmonte sistemático dos órgãos de monitoramento e fiscalização da Amazônia. Além disso, é notório o enfraquecimento das políticas ambientais que mantém a floresta em pé. Vale lembrar, também, que esse número preocupante de queimadas aconteceu em um ano em que tivemos um curto verão amazônico”, pontuou o ativista.
Em abril de 2021, mais de 400 servidores de carreira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) assinaram um ofício, no qual afirmaram que todas as atividades de fiscalização de infrações ambientais desenvolvidas pelo órgão estavam paralisadas.
![Na foto, membro da brigada de incêndio do Ibama tenta controlar as chamas em um ponto de queimada em Apuí, no Amazonas, no dia 11 de agosto. — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters](https://s2.glbimg.com/Ibc7BVeH9ozT9yU2ZeNmwRNcjlg=/0x0:5184x3456/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2020/v/9/zyl92gS42ceKwBHrvfAQ/2020-09-10t061517z-1924202105-rc2ivi9yw37t-rtrmadp-3-climate-change-global-weather.jpg)
Na foto, membro da brigada de incêndio do Ibama tenta controlar as chamas em um ponto de queimada em Apuí, no Amazonas, no dia 11 de agosto. — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
Segundo Muriel Saragoussi, doutora em Fisiologia Vegetal e ex-secretária nacional de Coordenação de Políticas Públicas para a Amazônia do Ministério do Meio, a especulação em torno do asfaltamento da BR-319 também tem atraído as ações de grileiros e garimpeiros, o que deverá ser intensificado em 2022, por ser um ano eleitoral.
“Em geral, nos anos eleitorais, há um crescimento do desmatamento porque todos os candidatos ficam prometendo que vão passar a mão na cabeça dos criminosos. E acho que aqui no Amazonas, infelizmente, a grande maioria dos candidatos são favoráveis ao asfaltamento da BR-319, e isso vai criando essa expectativa de posse da terra e essa expectativa de que o desmatamento vai ser recompensado”, explica.
Qual o interesse em queimar a Floresta Amazônica?
O ambientalista Rômulo Batista explica que a maior parte das queimadas registradas na Amazônia são criminosas. Geralmente, o fogo é utilizado para criação de áreas de pastos e como instrumento de desmatamento por madeireiros e grileiros.
“No verão amazônico, quando chove menos e a umidade do ar é menor, a grama seca, e o fogo é utilizado para a criação ou renovação de pastos, só que as chamas se espalham muito rapidamente. Além disso, os focos de incêndios também são provocados para finalizar o processo de desmatamento: tira-se a madeira de alto valor, e derruba-se a floresta, queimando todo o seu material orgânico”, explica.
Os municípios de Lábrea e Apuí, no extremo sul do Amazonas e na fronteira com os estados de Rondônia e Mato Grosso, concentram o maior número de focos de queimadas no ano passado. Justamente por conta da substituição da floresta por pastagens.
Muriel Saragoussi aponta, ainda, a especulação de grileiros em torno do asfaltamento da BR-319 como fator determinante para o aumento das queimadas.
“Grileiros e madeireiros têm entrado em áreas próximas à BR-319, e provocando esse desmatamento sucedido pelas queimadas, por acharem que assim que a estrada estiver asfaltada haverá aumento dos valores dessas terras. Então, eles acreditam que vão conseguir regularizar esses terrenos com o apoio do governo federal”, explica.
Nos dois primeiros anos do Governo Bolsonaro, a ocupação irregular em áreas da Amazônia Legal cresceu 56%, de acordo com levantamento do Instituto Socioambiental (ISA).
Como reverter o quadro atual?
Os dois especialistas ressaltam que é necessária uma guinada na postura do Governo Federal para possibilitar a reversão do atual cenário, marcado pelo aumento contínuo da destruição da floresta amazônica.
“O Brasil já conseguiu reduzir, entre 2004 e 2012, as queimadas e o desmatamento na Amazônia. O que precisa ser retomado é justamente o que já deu certo no passado: forte investimento em tecnologia, valorização das carreiras ambientais, um plano de prevenção coordenado, e a participação da sociedade civil eh participação de universidades como a gente viu no passado”, afirma Rômulo.
A ex-secretária nacional de Coordenação de Políticas Públicas para a Amazônia do Ministério do Meio também cobra uma postura mais firme das autoridades federais para coibir os crimes ambientais.
“Precisamos de declarações públicas e ação efetivas das autoridades que transmitam a mensagem de que não vai haver leniência com quem comete crimes ambientais. É necessário uma ação firme na ãh declaração e na proteção das áreas protegidas, tanto nas Áreas de Proteção Ambiental (APAs) quanto nas terras indígenas e em unidades de de conservação”, concluiu Muriel.
No último mês, especialistas do Instituto Socioambiental (ISA) realizaram um levantamento apontando que o desmatamento durante a gestão Bolsonaro (2019 a 2021) aumentou 79% em comparação com os três anos anteriores (2016 a 2018) nas áreas que deveriam ser protegidas na Amazônia (Unidades de Conservação e terras indígenas).
Operação Tamoiotatá 2
Por meio de nota, a Sema informou que em 2021, a força-tarefa da Operação Tamoiotatá 2 reuniu 137 servidores e 175 brigadistas florestais, com foco de atuação nos municípios ao sul do estado, considerados mais vulneráveis. Como resultado, o Amazonas conseguiu reduzir em 11% os índices de focos de calor, em comparação ao ano de 2020.
Neste ano, a operação deverá começar ainda no primeiro trimestre.
A secretaria informou, também, que o governo estadual tem buscado integrar os eixos de bioeconomia e ordenamento territorial e ambiental como estratégias de médio e longo prazo para conter o avanço das queimadas e do desmatamento ilegal.
Até o fechamento desta matéria, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Ministério do Meio Ambiente não haviam respondido o g1 sobre as ações de prevenção às queimadas na Amazônia em 2022.
Texto original disponível em: https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2022/01/11/apos-recordes-nos-ultimos-dois-anos-especialistas-preveem-avanco-maior-das-queimadas-em-2022-no-am.ghtml