Garimpos em MT põem em xeque capacidade de fiscalizar mineração

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Fabiano Maisonnave e Lalo de Almeida

21 de setembro de 2019

Folha de S. Paulo

Amazônia brasileira

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Criação de reserva garimpeira em 1983 e possibilidade de licenciamento ambiental não evitaram degradação da área

 

PEIXOTO DE AZEVEDO (MT) Até 1973, o rio Peixoto de Azevedo, perto da divisa de Mato Grosso com o Pará, era habitado por índios isolados da etnia panará. Passadas mais de quatro décadas, o curso d’água perdeu a proteção da floresta e hoje corre cercado por centenas de buracos e terra exposta deixados pela mineração de ouro, intercalados por pastagem e soja.

Nem mesmo a criação de uma reserva garimpeira pelo governo federal, em 1983, e a introdução do licenciamento ambiental evitaram o cenário de terra arrasada e a persistência da exploração ilegal.

Para especialistas e ambientalistas, a região serve de alerta para a capacidade de o Estado gerir e fiscalizar a atividade no momento em que o governo Jair Bolsonaro promete legalizá-la dentro de terras indígenas.

Homens trabalham em um garimpo de ouro em Peixoto Azevedo, no norte do Mato Grosso – Lalo de Almeida/Folhapress
Lagoas formadas em uma área de garimpo de ouro às margens do rio Peixoto Azevedo, no norte do Mato Grosso – Lalo de Almeida/Folhapress
Vista aérea de garimpo de ouro às margens do rio Peixoto Azevedo, no norte do Mato Grosso – Lalo de Almeida/Folhapress

Na semana passada, a Folha sobrevoou o rio Peixoto de Azevedo no trecho entre a foz, no rio Teles Pires, e a ponte da BR-163, perto das cidades de Matupá e Peixoto de Azevedo. Parece uma zona de bombardeio, tamanha a quantidade de buracos e de montanhas de terra e areia.

A visibilidade estava ruim por causa da fumaça das queimadas que atingem a Amazônia. Mesmo assim, a cena impressiona. São dezenas de garimpos ao longo do rio Peixoto de Azevedo e seus afluentes.

Manchas claras, por causa do solo revolvido, ocupam as margens dos dois lados no rio até onde é possível avistar.

Muitas dessas explorações chegam até a beira do rio, ignorando a obrigação de deixar 100 metros de mata ciliar. Há montes de areia, crateras e lagoas com tonalidades diferentes variando entre o azul, o verde e o marrom.

A cor do rio varia do marrom ao verde leitoso, conforme a proximidade de um garimpo ou de balsas, que também extraem ouro do rio. Com a vazão baixa devido ao período seco, são visíveis os bancos de areia formados pela garimpagem dessas balsas ao longo de todo o trajeto.

As explorações variam de tamanho. As mais recentes ou ativas, que empregam PCs (escavadeiras) e tratores de esteira, ocupam algumas dezenas de hectares contínuos. Difícil imaginar que aquela área foi coberta pela floresta amazônica em um passado recente.

A reportagem também percorreu alguns quilômetros do rio perto da BR-163 (Cuiabá-Santarém), obra da ditadura militar que abriu a região para a colonização. Ali, o trecho estava tão assoreado que o pequeno bote encalhou. Foi preciso empurrar a embarcação, com a água na canela.

Em outro trecho, uma mineração já desativada mudou o leito natural do rio por centenas de metros. Agora, é possível caminhar por onde passava a água.

De início, o ouro era retirado manualmente por milhares de garimpeiros, com uso indiscriminado de mercúrio. Hoje, a mineração do ouro está mais mecanizada. A grande revolução foi a escavadeira, que ampliou a produção, mas multiplicou por várias vezes a capacidade de destruição.

Por outro lado, o mercúrio está mais controlado mesmo em áreas ilegais, por meio de equipamentos que viabilizam a reutilização. Além de diminuir o dano ambiental, a reciclagem reduz o alto custo para a compra do metal líquido, usado para amalgamar as partículas de ouro misturadas ao solo.

A principal responsável pela fiscalização e licenciamento ambiental é a Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso). Via assessoria de imprensa, o órgão informou que desconhece o número de garimpos ilegais e que inexiste um plano para a recuperação da bacia do Peixoto de Azevedo, mas que a responsabilidade do passivo ambiental recai sobre os atuais proprietários das áreas.

A Sema, que mantém apenas três funcionários na região, tampouco dispõe de informações consolidadas sobre o tamanho da área que necessita de recuperação nem sobre a quantidade de multas aplicadas por garimpo ilegal.

“A exploração mineral na região teve seu auge na década de 1980, quando não existia ainda regulamento legal, o que gerou diversos passivos ambientais. A região voltou a ser explorada a partir da segunda metade dos anos 2000 e com isso esse passivo ficou por conta dos atuais superficiários, que devem aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA)”, afirma a Sema, em resposta por escrito.

COOPERATIVA TENTA RECUPERAR ÁREAS DEGRADADAS NA REGIÃO

A principal iniciativa para enfrentar o passivo ambiental e regularizar a atividade mineral na região do Rio Peixoto de Azevedo vem da Cooperativa dos Garimpeiros do Vale do Rio Peixoto (Coogavepe).

Fundada há 11 anos e com cerca de 5.500 associados em sete municípios, a entidade presta assistência técnica para obter licença ambiental da Sema e para recuperar áreas já exploradas por meio do nivelamento do solo, do replantio e do reaproveitamento dos buracos para a piscicultura.

“Estamos tentando mudar a cultura”, afirma o presidente da Coogavepe, o ex-bancário paulista Gilson Camboim. “A repressão não está resolvendo. O que vai resolver é a mudança de consciência.”

Para auxiliar na recuperação de áreas, a cooperativa conta com um biólogo, um engenheiro florestal, além de disponibilizar mudas de plantas nativas, produzidas em convênio com a prefeitura, entre outras iniciativas.

Lagoas formadas em área de garimpo de ouro localizada às margens do rio Peixoto de Azevedo no norte do Mato Grosso – Lalo de Almeida/Folhapress

Camboim levou a reportagem a três áreas de extração de ouro. Em ambas, chamam a atenção os buracos profundos e o uso intensivo de escavadeiras e tratores, em uma escala mais próxima da mineração mecanizada e distante do garimpo de mão de obra intensiva e práticas rudimentares.

Nesses casos, o nivelamento é feito com a utilização do topsoil, a camada superior, rica em matéria orgânica, que fica armazenada enquanto ocorre a exploração. Como a maioria da mineração atual está sobre áreas já desmatadas, o replantio é feito com pastagem.

Outra aposta da Coogavepe tem sido o aproveitamento das crateras abandonadas para a piscicultura, ainda incipiente. O caso mais bem-sucedido é do produtor rural Vilamir Longo, que cria pirarucu após transformar crateras do garimpo em tanques.

Já na área próxima do rio, a antiga área de garimpo foi aos poucos tomada pela capoeira, vegetação mais baixa do que a floresta original. “Evidentemente que o homem jamais vai refazer o que Deus fez”, afirma o produtor gaúcho.

Um dos principais especialistas em restauração florestal, o biólogo da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq-USP) Ricardo Rodrigues afirma que a regulamentação no licenciamento ambiental previsto pela Sema é adequada, mas a fiscalização em campo é ineficiente. “O problema sempre volta para [falta de] técnicos capacitados, idôneos.”

Com relação ao passivo ambiental, Rodrigues discorda da Sema ao afirmar que a recuperação é responsabilidade do Estado. “Todo mundo sabia que havia atividade garimpeira lá, e o poder público não fez nada para evitar e corrigir. Está sendo transferido para a sociedade, mas foi uma ineficiência do Estado.”

Rodrigues se opõe à abertura de terras indígenas para a mineração. A atividade depende de regulamentação do Congresso e consulta aos povos afetados. Bolsonaro promete apresentar uma proposta.

“Antes temos de demonstrar que o que estamos fazendo nas frentes atuais é adequado. A qualidade de restauração está muito aquém do desejado nas áreas que estão sendo mineradas. Por que elas seriam melhores nas áreas não mineradas?”

O sobrevoo do rio e parte das passagens aéreas foram custeadas pelo ISA (Instituto Socioambiental)

 

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/garimpos-em-mt-poem-em-xeque-capacidade-de-fiscalizar-mineracao.shtml

 

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